Comentários sobre os Diários da Presidência (FHC)

A – ANTECEDENTE

Corria o ano de 1972, a comunidade brasileira na Universidade de Stanford (EEUU) ficou alvoraçada com a notícia de que o professor Fernando Henrique Cardoso viria fazer uma visita e conversaria com o grupo em reunião que já estava planejada para ocorrer na casa de Eduardo e Marta Suplicy, então residentes no campus.

As famílias com crianças mantinham um “clube” de troca de prestação de serviços de babá para cuidar dos pequenos quando os pais desejavam participar de algum evento ou simplesmente sair para jantar a sós. Neuza saiu à procura de colegas que pudessem nos ajudar nesta ocasião. Em vão! Todas estavam ocupadas.

“ – Micha, você vai sozinho e depois me conta o que o Professor falou de interessante. Eu fico em casa”.

A casa de Eduardo/Marta estava lotada; a maior parte dos presentes estava de pé na escada que unia o térreo ao andar de dormitórios. FHC fez sua apresentação e aceitou perguntas. O ambiente todo, dada a ocasião, era de crítica à ditadura no país, mesmo levando em consideração que havia vários oficiais das forças armadas presentes pois eram todos candidatos ao doutorado. Nos debates, em geral ficaram mais em silencio.

Quando a discussão terminou despedi-me dos visitantes e de Eduardo e Marta que por coincidência tinham também 3 filhos como Neuza e eu. Morávamos a mais ou menos 100 m de distância, mas não frequentávamos as mesmas “rodas”. Eduardo e eu lecionávamos na mesma instituição em São Paulo (EAESP/FGV) mas não éramos próximos.

Fui para nossa casa e encontrei os 3 pequenos dormindo e Neuza deitada, lendo.

“ – E aí? Como é o professor? Como foi a palestra? ”

“ – O professor é muito hábil, rapidamente ficou senhor da situação, sabendo o que o pessoal queria ouvir, foi o que falou. Para ser honesto gostei mais de sua esposa, Ruth Cardoso. Numa oportunidade interrompeu a onda que todos aproveitavam e, mesmo criticando a ditadura, disse que havia muito o que fazer no Brasil. Como exemplo citou seu caso de professora de antropologia que continuava dando aulas como antes e ninguém a impedia. Achei ótimo. ”

B – DIÁRIOS 1995 – 1996

Quando saiu o primeiro volume dos Diários da Presidência, comprei um exemplar e depois de um exame superficial fui consultar o Índice Remissivo. Lá encontrei – Zeitlin, Michael, 226. Claro que fui logo para a página 226.

“ Os jornais de hoje já dizem que houve um acerto político e por essa razão o Banespa voltaria para São Paulo. Não foi nada disso. Até agora estamos discutindo como é que a gente sai da encalacrada entre o governo de São Paulo, o Tesouro e o Banespa. O Mário se dispõe pela primeira vez, a entregar patrimônio, o que é um avanço. A conversa com ele foi boa, num certo momento ele ficou um tanto exasperado, como ele fica de vez em quando, porque não tinha entendido uma afirmação do Serra sobre a direção do banco. O Serra queria encaminhar para aquilo que era bom mesmo, botar o Andrea Calabi na direção. O Mário quer aquele antigo amigo dele, que não é competente para a área financeira e que já fez a Paulipetro, Michael [Zeitlin].Esvaziei um pouco a discussão na hora, mas vê-se que aí tem um ponto de tensão, menor, mas um ponto de tensão. ”

Desconheço as razões que levaram FHC a atribuir-me incompetência na área financeira. Poderia esclarecer mencionando os cursos de finanças que segui em Stanford com o Prof. Sharpe; ou mencionar as consultorias que prestei a empresas concordatárias, a grande maioria com um sucesso significativo, mas não vale a pena. Poderia também mencionar que o Mário Covas tinha boa impressão do ex-presidente Itamar Franco, que decidiu nomear para o Ministério da Fazenda um sociólogo e tentar fazer algo parecido. Também não vale a pena.

FHC não me conhecia naquela ocasião, assim o comentário que fez se deve a alguma informação que lhe foi fornecida. Conhecendo um pouco do relacionamento dos personagens envolvidos e fatos posteriores, que precedem esta redação, eu diria que a origem pode ser atribuída a José Serra.

Nota do Autor – Os fatos descritos pelo Sr. Presidente ocorreram em 1995; o volume 1 dos Diários é datado de 2015, vinte anos depois. Neste volume na Apresentação encontramos o seguinte: “Os Diários mostram como minha apreciação sobre as pessoas variou no transcorrer do tempo.” (pag.12). O primeiro rascunho deste capítulo foi esboçado em 2016. A última digitação está sendo feita em 2022. Procuro deixar o texto com o sabor que tinha no primeiro esboço, correções e mudanças são explicitadas como tais.

C – DIÁRIOS 1997 – 1998

O segundo volume dos Diários foi publicado em 2016. Novamente segui o procedimento de adquirir um volume e procurar no Índice Remissivo e achei: Zeitlin, Michael, 420.

Fui ao texto – …O Sarney me disse que acha que o Mário Covas quer ser candidato a presidente da República. Não sei ficou totalmente fora de propósito isso, mas as chances do Mário são pequenas. Entretanto, há sempre referencias de que em São Paulo a Juventude [do PSDB] é contra mim, que o secretário de Transportes do Mário, * que é grande amigo dele, está falando de mim com baixo calão, não sei se é verdade. … O asterisco indica uma nota de rodapé

*Michael Zeitlin.

Não posso dizer que não uso baixo calão, pois não seria verdade. O que posso dizer é que seria muito difícil fazer isto naquele momento.Eu não havia sido indicado para presidir o Banespa, que não voltou para São Paulo. Discuto isto em outro local deste livro. O assunto em questão acredito fosse o esforço do Presidente em aprovar a reeleição.

Um assunto político. Eu fui indicado para ser Secretário dos Transportes em junho/julho de 1997 (ver data certa) e fui recebido por Geraldo Alckmin pois o Mario estava ocupado em outro local. Alckmin, vice governador me deu uma pilha de textos legais versando sobre a Lei de Concessões e me fez uma recomendação – “em sua experiência como prefeito de Pindamonhangaba aprendeu que o prestígio do governo está intimamente ligado ao volume de asfalto aplicado. Se queremos que o PSDB continue no governo na próxima eleição vai depender muito de você. Faça este programa (concessões) funcionar”.

Eu estava, nestes primeiros meses, envolvido em aprender um novo ofício. Além disto o Mário tinha regras rígidas para o comportamento dos Secretários. Era proibido para cada um de nós palpitar publicamente na área de outro; além disto aprendi nos primeiros dias que minha indicação era da cota pessoal do Governador Covas, eu era técnico, gerente se quiserem. Dadas estas circunstâncias não acredito que estivesse me metendo em um problema tipicamente político.
Acho que embora muito ocupado e feliz com o trabalho que tinha não posso negar que a leitura do volume 2 dos Diários me deixou “para baixo”.

D – DIÁRIOS 1999 – 2000

O ex-Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso publicou o volume 3 de sua obra Diários da Presidência 1999-2000. Como era meu costume adquiri um exemplar e uma vez instalado numa poltrona confortável fui ao Índice Remissivo. Não achei nenhuma menção ao meu nome. Procurei todas as citações de Mário Covas para ver se em alguma delas havia algo que me tocasse.

Neste volume o ex-presidente faz cinco (5) citações à obra do Rodoanel Mario Covas. Tendo participado do governo que concluiu o trecho Oeste ocorreu-me divulgar suas impressões, gravadas semanalmente e agora disponibilizadas. Faço a reprodução abaixo:
Página 477, sábado 19 de fevereiro 2000 – “No dia seguinte, ontem, sábado 19, fui visitar as obras do Rodoanel ** com o Mário (Covas) e toda a comitiva. As obras são impressionantes, o governo federal tem que sustentá-las. “

**NR Estava em construção o trecho Oeste do anel viário de São Paulo. Com 32 km de extensão, ele foi inaugurado em 2002 ao custo de R$ 1 bilhão, dividido entre os governos federal e estadual”. Dividido não quer dizer meio a meio!

Página 604, domingo 9 de julho 2000 – “Ontem, domingo, lá em São Paulo passei o dia em casa e recebi o Mário Covas, que foi me dizer da sua preocupação com a reforma tributária, quem iria pagar a conta dos subsídios já concedidos, preocupação que é minha também, e falar da participação do governo federal no financiamento do rodoanel, pois há um embaraço burocrático para a liberação do dinheiro”.

Páginas 680 e 681, setembro de 2000, ousada. ” – “E amanhã vou fazer com o Covas uma visita ao rodoanel. ” No sábado de manhã fui visitar o rodoanel, é uma obra impressionante, muito bonita mesmo
Página 772 – 10 de dezembro de 2000 – Sábado de manhã fui visitar o Mário Covas, eu e a Ruth…. Também perguntou se eu não mandava no Padilha, por causa dos atrasos no financiamento do rodoanel. Eu disse: “Não é o Padilha; é porque não temos dinheiro, conseguimos algum. Depois de muito esforço, liberamos 55 milhões, que serão transferidos para São Paulo acho que na segunda ou terça-feira”. Mas Covas estava bem.

Confesso que fiquei decepcionado, em nenhuma ocasião ocorreu ao Presidente mencionar que o responsável pela obra estava fazendo um bom trabalho, embora acredito isto estava implícito.

E – DIÁRIOS 2001 – 2002

Este volume versa sobre os 2 últimos anos do governo FHC. Muita coisa aconteceu nestes anos; o Governador Mario Covas faleceu em 2001, eu consegui deixar o governo um ano após seu falecimento, houve nova eleição com vitória do PT. Vamos ver o que escolher, retorno ao Índice Remissivo. Surpresa, meu nome está lá – Zeitlin, Michael, 898.

“Almocei no Alvorada com a Ruth, o Michael [Zeitlin} e a Lola [Berlin
ck} e em seguida voltei ao Palácio e recebi, no expediente normal, com o Sardenberg e Guilherme Dias,…

O que estava eu fazendo no Alvorada almoçando com a Primeira Dama, sua secretária e o Presidente FHC.

Como relato em outro local, após a morte de Mário, conversei com o Governador Alckmin e mencionei meu desejo de sair do Governo. Trocas de ideias e opiniões para lá e para cá, disse que ficaria mais um ano que era o tempo que eu achava necessário para garantir a conclusão sem sustos do Trecho Oeste do Rodoanel. Acabei ficando até Junho/Julho (é preciso colocar a data certa) e sai.

Decidi ficar um tempo sem pensar em emprego e sem me ocupar a sério com nada. Precisava descansar! Combinei com os filhos que não tomaria decisão sem falar com eles; Roberto só me disse que entre as alternativas a examinar precisava estar a mudança definitiva para Americana.

Durante este lazer recebi telefonema de Neca Setubal que eu conhecera em Stanford logo após seu casamento com Rui Souza e Silva, um aluno do MBA e com quem desenvolvi uma boa amizade. Eu já havia colaborado com Neca aceitando um cargo no Conselho de Administração da CENPEC. Perguntou-me o que estava fazendo, respondi que nada. Ela queria que desse “uma mão” para uma amiga. Dar uma mão tudo bem, mas emprego não pois não estou em condições. Ato continuo me deu um endereço na Av. Angélica e me disse para me apresentar assim que pudesse. Quando cheguei ao endereço e informei quem era, surpreendi-me ao ser informado que a amiga era Ruth Cardoso, Primeira Dama do Brasil.

Ruth me recebeu em sua sala e explicou-me que havia fundado uma série de entidades SOLIDÁRIAS. A principal (e primeira) era a Alfabetização Solidária. Havia pelo menos mais três. Estava tendo problemas com a Superintendente de uma delas. Precisava de alguém para investigar com calma e tendo obtido um diagnóstico reportar a ela.

– “ OK, isto eu posso fazer”.

– “ E a questão de honorários?”.

= “Não, não quero aceitar ser pago pois aí vai me dar obrigações e eu estou descansando. Uma coisa temporária, bem definida eu faço pois me dará a sensação de estar sendo útil.

Semanas mais tarde relatei o que havia visto, dei exemplos de mentiras, pois a pessoa em questão sabendo que eu era da FGV resolveu contar muitas vantagens. Tudo mentira. Fui muito claro.

“Dra. Ruth a senhora precisa demitir a Superintendente.”

“Não posso, pois eu prometi que ela ficaria até outubro, quando vamos começar a transição para o novo Governo.”

“Diga a ela que honrará o combinado e pague salários até outubro, mas que ela precisa deixar a vaga não comparecendo mais ao serviço. Se ela ficar em outubro não haverá o que transferir!”

“É assim grave?”

-“É !”

– “Deixe-me pensar alguns dias sobre sua recomendação. Há alguma coisa que você gostaria de acrescentar?”

“Tenho muita curiosidade em conhecer como funciona a Alfabetização Solidária.”

“Pronto, está resolvido. Vou providenciar uma passagem para você ir a Brasília. Quero que você almoce comigo. A Lola, minha secretária pode servir de contato.”

No dia aprazado fui a Brasília e o motorista que me transportava levou-me ao Palácio Alvorada para almoço.

A presença do Presidente me surpreendeu, mas era a maneira sutil de Dra. Ruth dizer que havia ficado contente com o meu aconselhamento; eu soube posteriormente que aceitou e complementou com medidas de muita coragem.

Somei a gentileza do casal com a observação de FHC na pagina 12 do primeiro volume de seus Diários e entendi que esta é uma boa lição para todos nós.