As Tensões na Ucrânia

Em sua edição de 20/1/2022 o jornal O Estado de São Paulo publicou interessante artigo de Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, Coronel de Cavalaria da Reserva, sobre as tensões na Ucrânia. Não tenho competência técnica para discutir os detalhes das reuniões que ocorrem agora, envolvendo os EUA, a OTAN e a Rússia. Chama minha atenção, no entanto, a frequente alusão à Ucrânia como “pais soberano”.

Minha intenção é trazer um outro ponto de vista para quem sabe aportar aspectos não considerados no artigo mencionado.

Meus pais eram russos, nascidos e moradores de Kiev, capital da província da Ucrânia. Nasceram em 1900/1901 e viveram na Rússia até cerca de 1920 quando ocorreu a confusão do final da 1ª Guerra Mundial sobreposta à revolução bolchevique. Tenho diplomas escolares de minha mãe dos anos de 1919 e 1920, emitidos por autoridades russas, quando concluiu seus estudos pré-universitários.

Saíram da Rússia e foram morar em Berlin, cada um com seus motivos, pois só se conheceram quando já estavam em Berlin, onde havia forte colônia russa.

Quero mencionar agora dados históricos e deixar de lado minha experiência familiar. Baseio-me em Simon Sebag Montefiore e sua obra “Os Romanov 1613 – 1918”. Montefiore inicia relatando a movimentação de boiardos e bispos ortodoxos que procuram Michael (estou usando esta alternativa para o nome russo Mihail) e sua mãe a monja Marfa para lhes comunicar que “ a Moscóvia não conseguiu sobreviver sem um soberano, e está em ruínas. Por isso uma Assembleia da Pátria o havia escolhido para ser o soberano e “brilhar para o tsarismo russo como o sol”. Em Kostromá, depois de 6 horas de argumentação os nobres se ajoelharam chorando e Michael finalmente concordou, beijando a cruz e aceitando o bastão . Em 1613 a Coroa da Rússia não era uma proposta tentadora. No relato de Montefiore a expansão territorial da Rússia entre 1613 a 1917 é um fato notável. Kiev e seu território vizinho (Ucrânia) são incorporados à Mãe Rússia em 1676.

Como sabemos é apenas em 1918 com a revolução bolchevique que os Romanov são fuzilados e passam a dominar o governo central Lenin e seus correligionários. A Ucrânia continua fazendo parte da Rússia, tendo nesta condição enfrentado a 1ª Guerra Mundial.

Em reportagem no programa “Que mundo é este?” da TV Globo, ao ser perguntada, uma jovem empresária, se estar na Ucrânia separada da Rússia era melhor do que quando era parte da Rússia respondeu: “Na verdade não sei o que lhe dizer, somos Ucrânia independente apenas há 17 anos, sempre fomos parte da Rússia.”

Depois das declarações de Putin, que habilmente diz que só quer voltar ao acordo celebrado com a OTAN em 1997 (?) as TVs têm ilustrado a tensão por meio de pesquisas de seus correspondentes no exterior. Cecilia Malan, correspondente em Londres exibiu mapa onde despontam as bases construídas pela OTAN como se fosse um colar ao longo da fronteira russa; Candice Carvalho, correspondente em Nova York, fala do acordo de 1997 e do estatuto da OTAN. É sempre mencionado que em 2014, quando havia um presidente ucraniano simpático à Rússia, houve um golpe para tirá-lo do poder. Acusações de que o golpe teve apoio dos EUA e as correspondentes negativas são costumeiras nestas ocasiões. Putin sem muita criatividade diz em discurso que está pensando em construir bases militares russas em Cuba e na Venezuela.

Estamos diante de uma negociação por poder geopolítico. Tenho a impressão que Putin tem o apoio da maioria da população russa, e pelo que relata a imprensa o mesmo não ocorre com Biden, presidente dos EUA. Neste ponto concordo totalmente com o autor do artigo que comento quando afirma: “É importante notar que a simples realização das reuniões já pode ser considerada uma vitória para o presidente Putin.”

Por sentimentos pessoais que me lembram meus pais prefiro a Ucrânia como província da Rússia e não como membro da OTAN. Em 2000, fiz viagem com Neuza minha esposa, para Moscou a convite do Banco Mundial para fazer palestra sobre concessão de rodovias.

Aproveitamos para conhecer outras cidades do interior da Rússia. Neuza queria comprar uma balalaica e eu sugeri que a comprássemos em Kiev nossa última parada para não carregarmos a balalaica conosco. Em Kiev, Neuza foi a uma loja de instrumentos musicais e pediu uma balalaica. Resposta do vendedor: “Balalaica é um instrumento russo. Não vendemos instrumentos russos. ”

Como se vê, há controvérsias.

Michael Paul Zeitlin, é Engenheiro Civil, aposentado.
Ex – Secretário de Transportes do Governo Covas e ex Diretor da EAESP/FGV.

Escrito em 28/01/2022.