O novo Brasil, uma terra de “durões” e não de playboys

Se você pensa no Brasil e lembra de praias, samba e caipirinha, você precisa se atualizar. Nos últimos 20 anos o centro do poder político e econômico começou a mudar do litoral para o interior. A música vai ser o sertanejo e a bebida cerveja gelada.

O censo de 2022 mostra que 7 dos 10 municípios que mais cresceram estão no Sul e no centro oeste. A população do centro oeste, incluindo Brasília, cresceu 1,2% por ano, mais que o dobro da média do país. O Sudeste é a região mais rica e populosa. O Estado de São Paulo sozinho produz um terço (1/3) e tem 1/5 da população, mas mesmo aí é no interior, na fronteira agrícola que a economia cresce mais.

A migração do Nordeste pobre não é mais dirigida a São Paulo, como foi o caso de Lula, mas é dirigida para o interior. Quando se procura a atividade que mais cresce, não é a indústria, mas sim o agronegócio.

A indústria que na década de 1980 representava 1/3 do PIB hoje é apenas 10 %. O superávit comercial da indústria que foi US$ 6 bilhões em 2005, hoje é um déficit de US$ 108 bilhões.

Desde o começo de 2000, a enorme demanda da China alimentou a produção de soja, cereais e carne. A exportação de produtos agrícolas como porcentagem do total das exportações é 4 vezes maior; o estado de Mato Grosso cresceu 4,7% por ano, mais do que o dobro da média do país.

O crescimento hoje está concentrado em cidades médias e não nas grandes metrópoles. A vida dos primeiros agricultores, foi muito difícil, há 20 anos atrás. EMBRAPA, a empresa nacional de pesquisa agrícola desenvolveu tipos de soja que se adaptaram melhor ao tipo de solo (ácido) da região.

A cidade de SINOP no interior do Mato Grosso cresceu 73% nos últimos 12 anos e tem hoje 200.000 habitantes e se parece mais com os vilarejos do sul dos EEUU do que com as grandes cidades do litoral.

Com o crescimento econômico outros tipos de influência aparecem. Em 2003, 16% das músicas mais tocadas nos rádios eram as “sertanejas”, em 2022 são 75% do total. O posto de gasolina chama-se “Texas” e o açougue “Super Beef”.

O crescimento atual constitui um desafio para o governo de Lula. De um lado o agronegócio é bem vindo pelo progresso, por outro lado constitui custo para o meio ambiente e tem implicações políticas.

As fazendas crescem à custa do cerrado o segundo maior bioma depois da Amazônia. Seus proprietários tendem a ser seguidores de Jair Bolsonaro o presidente da direita, derrotado por Lula na última eleição. Alguns estavam presentes no 8/1 quando houve um ataque aos prédios públicos federais em Brasília. Os mais responsáveis saíram quando começou o vandalismo.

Em resposta ao censo, o Tribunal Superior Federal, em agosto, ordenou à Câmara dos deputados uma realocação de vagas por estados, a primeira desde 1993. O nordeste apoiador de Lula perderá vagas, o cinturão agrário (centro oeste) ganhará.

Lula iniciou seu terceiro mandato tentando aproximar-se do setor agrícola. Durante a campanha havia proposto limitar o volume exportado de carne para segurar o preço interno. Após a posse oferece muito apoio com um plano de empréstimos subsidiados no valor total de 364 bilhões de reais, o maior plano de créditos já oferecido, exigindo em troca um comportamento mais verde. Os agricultores com uso de energia renovável e pesticidas não químicos receberão empréstimos com menores taxas de juros.

O BNDES fundado em 1950 para promover a indústria está mudando para financiar o agronegócio. Em 2009 o setor agrícola recebeu apenas 5% dos empréstimos do banco; no ano passado foi quase um quarto (25%) o financiamento da agricultura, menos de 20% para a indústria. O Economist acredita que não haverá reversão durante o governo de Lula.

Muitos agricultores afirmam estar de acordo com o impulso do governo por uma agricultura mais verde. Para exportar para os melhores mercados do mundo é importante melhorarmos nossos padrões sanitários e ambientais. Em abril o parlamento europeu aprovou uma lei que exige dos produtores de “comodities” provas que não contribuíram com redução de florestas desde 2020.

Em particular muitos fazendeiros reclamam das regras ambientais, que os obrigam a manter de 20% a 35% de mata do cerrado em suas propriedades. Muitos mudaram para o estado do Pará onde a exigência é maior – 80% de floresta tem que ser preservado, mas onde a fiscalização é menor e fraca.

O Brasil é um dos poucos países onde terras para cultivo continuam em expansão. O Departamento de Agricultura dos EEUU estima que por volta de 2031 outros 20 milhões de hectares, mais ou menos um quarto da área já cultivada, entrarão em produção. Crescimento não significa derrubar florestas. Estima-se que 170 milhões de hectares usados como pastagem, estejam subutilizados. Se os fazendeiros que produzem soja usarem apenas 10 milhões destes hectares, a produção colocaria 40 milhões de toneladas adicionais por ano durante a próxima década, mais ou menos 10% da produção mundial.

Aumento na produção por hectare, que é metade da americana, melhor infraestrutura logística para reduzir o custo do transporte de 12,1% da produção nacional, para 7,6% que é o que se gasta nos EEUU.

O futuro parece brilhante, mas há medo que o sucesso cause o desmatamento do “cerrado” o que reduzirá as chuvas. Já há sinais de tensão de mudança do clima mundial. O “sertanejo” pode, um dia perder seu ritmo.

FONTE: The Economist, setembro de 2023; págs. 29/30.