Netos e netas

O título duplo, em vez de, a versão simples “Netos”, serve para mostrar meu total engajamento na luta pela igualdade de direito dos sexos e contra qualquer forma de discriminação. São seis com idades que variam de 24 para 14. São todos muito independentes, com planos próprios. Nosso relacionamento é distante, por conta da geografia, mas muito carinhoso. De parte a parte. Vejamos quem são.

FELIPE, 24 anos – Formou-se em Gastronomia na Faculdade SENAC, no Grande Hotel de Aguas de São Pedro. Estudou italiano à noite e planeja fazer pós-graduação em cozinha italiana. No momento está em Florença, Itália polindo seu italiano e tomando ultimas providencias para conseguir cidadania italiana, usando a linha genealógica de sua avó Neuza, que teve 4 avós italianos. Enquanto estudava à noite, já formado, montou em S.Paulo um pequeno negócio de preparação e venda de “marmitas” que vendia a uma dúzia de amigo(a)s incluindo sua avó. Antes de estudar Gastronomia, cursou 2 anos de Geografia na USP, célebre reduto de jovens talentosos com ideias da chamada “esquerda”. Depois de 2 anos convenceu-se que estava sendo usado como “massa de manobra” e mudou-se para o SENAC. O desapontamento com a USP não mudou sua posição política. Frase em correio para sua avó: “Amanhã irei a um jogo da Fiorentina (time dos “partisans”) contra o Lazio (time dos fascistas), não poderia haver um confronto mais a minha cara, hahaha”. Com o óbito de seu pai, foi o inventariante do espólio e “cuida” de sua mãe e de sua irmã Helena. Dos tempos de USP guarda a prática de rúgbi e o grupo de amigos. Escolheu a Austrália para fazer intercâmbio nos tempos de 2º grau; por várias vezes acompanhou seu pai para Congressos nos EEUU resultando que é fluente em inglês.

30 anos – Está muito contente com o status de empreendedor no ramo de joalheria. Depois de passar pelo Vestibular de Geografia na USP porque queria ser professor, ter mexido com Gastronomia, ensaiar aulas e traduções de italiano/português não resistiu a sua admiração por sua vó Neuza. Acabaram acertando que ela passaria suas ferramentas e banquetas que havia aposentado e apresentou-o ao pessoal da escola “Arte e Ofício”. Está felicíssimo e sua marca ZAMO é a homenagem aos sobrenomes de sua avó e sua mãe. Está acabando de mudar em São Paulo para a Bela Vista num apartamento maior que ele e Andrezza vão usar como moradia e escritório. Durante nossa conversa falou pelo menos seis vezes sobre sua admiração por tudo que sua avó Neuza fazia. Mencionou que seu tio entrega regularmente relatórios financeiros sobre o andamento dos negócios e reúne ele e sua irmã quando precisam decidir juntos.

JOÃO PEDRO, 23 anos – Formou-se em Administração na ESPM, escolhida a dedo dado seu interesse em Marketing Cultural. Nos tempos de estudante criou e dirigiu uma banda de rock tendo gravado um disco, participado e vencido concursos promovidos pela Cultura Inglesa. Um dos prêmios que ganhou foi o de melhor letra para um rock, claro que em inglês. Acho que conseguiu me deixar arrepiado ao ouvir o anuncio do prêmio. Trabalha numa empresa de “streaming” musical e parece ser apreciado pelos superiores. Está sendo deslocado para o cargo da pessoa que o treinou desde que era estagiário, uma vez que este colega está sendo transferido para o exterior para criar um posto avançado da empresa e estudar na pós. Vez por outra convida o avô para assistirmos juntos um jogo do Palmeiras. Criou outra banda de rock e foram convidados para se apresentar em Americana. Morou nos EEUU com seus pais durante 4 anos, na Califórnia, quando os mesmos obtiveram seus Mestrados. Durante o curso tirou um semestre de sabático e foi fazer alguns créditos em Barcelona durante 3 meses, depois foi fazer trabalho voluntário – ensinar inglês para crianças- em Kiev na Ucrânia; tentou encontrar notícias e/ou documentos sobre seus antepassados russos. Foi informado na Sinagoga local que tudo foi destruído pelos soviéticos e depois mais uma vez pelos alemães. Foi convidado por sua professora orientadora do trabalho de conclusão de curso para ser seu monitor e iniciou este trabalho neste semestre. É muito calmo e hoje tem uma dieta normal, pois passou anos não ingerindo nenhum alimento cuja obtenção implicasse em violência contra animais. Uma palavra sobre os dois formados. Cerca de 15 anos atrás os avós acharam que seria bom levar os dois primos para viajar conosco. A primeira escolha foi o Pantanal. Foi tudo ótimo. No ano seguinte resolvemos leva-los à Disney, nos EEUU. Num dia em que estávamos na fila para um dos aparelhos, eles correndo para cá e para lá, o senhor que estava à nossa frente abordou-me: “O senhores falam idioma que não conheço”. – Somos brasileiros e falamos Português”. – Desculpe-me por perguntar. “São seus netos? ” – “Sim”. – E vocês vieram do Brasil para trazer seus netos para passear? ” – “Eles nunca vão esquecer esta viagem! ” – “Nós também não! ” Quando chegamos a São Paulo, uma de nossas noras, Marli, mãe de Felipe e Helena foi nos buscar no aeroporto e levou-nos para nosso apartamento. Estávamos abrindo os presentes quando Marli perguntou: “Como foi que eles se comportaram? – “Muito bem! ” “Não deram trabalho? ” – ”. Nenhum! ” –“E a comida? ” – “Eles se acertaram com hambúrgueres e fritas”. Às vezes pediam macarrão. ” – “E para dormir, muito trabalho”? “Não, nenhum trabalho. No hotel havia uma sala de jogos. Depois do jantar eles iam jogar e eu e Neuza víamos a TV com o noticiário do dia. Quando chegava a hora de dormir eu ia até o salão e os chamava. ” Nesta altura ambos haviam parado de abrir presentes e prestavam atenção na conversa. “E aí, quando chamava…eles vinham sem reclamar? ” – ”. Sem reclamar! ” João Pedro interrompeu: “Felipe, vovô está mentindo!”

29 anos – Seu atual empregador, uma das 10 maiores empresas do mundo, que o havia capturado de uma empresa brasileira bem menor, transferiu-o com uma promoção para ser gerente em Los Angeles, CA. Depois de alguns meses alugou um apartamento junto com um amigo que conhecia de Davis, CA. Quando lá morou com seus pais que faziam Mestrado na Universidade da California, em Davis.

Comprou um carro, Honda Fit vermelho, 2019 igual ao mesmo modelo que tinha em São Paulo, só que era 2010. Está gostando de Los Angeles, mas saudoso de São Paulo. Na conversa que tivemos sobre o desempenho do Palmeiras falamos da vitória de ontem e do belíssimo gol de Endrick. Combinamos ir juntos ao Allianz Parque no fim deste mês quando ele vem passar alguns dias de férias. Está muito bem, vai querer pelo menos os primeiros capítulos de meu livro pois continua muito interessado na origem de sua família.

HELENA, 20 anos – Estuda Terapia Ocupacional na Universidade de Brasília. Durante o Colegial escolheu Nova Zelândia para fazer seu intercâmbio, jamais iria para o mesmo lugar que seu irmão – Austrália, mas soube apreciar a vantagem de o ano escolar ser o mesmo em todo hemisfério sul. Teve desempenho tão bom que conseguiu convite para ficar um segundo ano. Para preocupação de seu pai que a visitou duas vezes, durante o intercâmbio, arranjou um namorado muçulmano originário de uma das ilhas do Pacifico distante. Da mesma forma que seu irmão fez todos os esportes radicais que encontrou, saltando de pontes muito altas, comuns na Nova Zelândia. Está muito bem adaptada em Brasília, morando numa das cidades satélites, onde fica o campus que frequenta e segundo sua mãe já tem amigo que cuida dela.

GABRIEL, 19 anos – Estuda Psicologia na PUC de São Paulo. Extremamente ativo e com enorme facilidade para qualquer esporte. Acompanha seu pai em passeios de moto por trilhas e as notícias depois são sempre de um desempenho acima da média, está entre os melhores. Quando foi com os avós pela primeira vez conhecer o mar em Guarujá, alugou uma prancha de surf e depois de meia dúzia de tombos já surfou e no fim dos 3 dias de praia era um surfista. Viveu com seus pais e seu irmão J.P. 4 anos nos EEUU, em Davis, Califórnia que é uma versão terrena do Paraíso. Trabalhou entregando jornais, uma atividade comum entre jovens americanos. Depositava seu salário no Banco e vez por outra ia visitar o Gerente para saber quanto o mesmo estava lhe pagando de juros. Inquieto quer sempre melhorar algo. Depois dos primeiros semestres na Faculdade trancou matricula e foi trabalhar como voluntário com amiga da família que faz trabalho de inclusão social com jovens da periferia. Descobriu o mundo e suas misérias. Tem algumas características e gestos que lembram seu tio, Roberto. Quando tinha um ano de idade, pouco mais, aproveitou a distração de todos que recebíamos a visita de Geraldo Alckmin então vice-governador, mas que tinha por hobby criar gado Jersey o mesmo que André cria em Americana, foi para a piscina onde depois de algum tempo ficou boiando. Só percebemos quando o cachorro entrou em casa, coisa muito rara, aí percebemos a porta aberta por onde Gabriel escapuliu. Corremos todos desesperados. Alckmin que é médico anestesista e André que é médico veterinário puseram-no de ponta cabeça e tome tapa nas costas até que pôs muita agua para fora e começou a chorar. Geraldo, com ar de satisfação disse: “Se está chorando é porque está bem. Tem bastante ar entrando em seus pulmões. ” Agora com 20 anos é difícil achá-lo. Seu pai diz: “Depois que aprendeu a beijar na boca, quase nunca dorme em casa”.

ANA LUISA, 15 anos – Cursa o 2º grau e se prepara para viajar para o Canadá, vai ficar em Vancouver BC. Cumprirá um ano de intercâmbio. Sob supervisão de sua mãe escolheu a agencia, decidiu sozinha que queria ir para o outro lado do Canadá, mesmo quando seu avô lhe disse que Quebec e Montreal são excelentes cidades onde se falam duas línguas. “Vô quero ir para Vancouver, lá muitas escolas ensinam Mandarim”! Gosta muito de ballet e já se apresentou com sua escola em eventos festivos. Anos atrás fez um curso de circo durante dois semestres e para angustia de seus avós fazia malabarismo com cortinas enrolando o tornozelo e soltando os braços no ar. Mas, o que gosta mesmo é ler, neste particular parece sua avó Neuza; tem a mesma tendência sedentária. Pretende estudar Biologia. Já fala bem inglês e por conta própria aprendeu algumas palavras em russo na internet. Não preciso frisar a alegria que tenho quando nos encontramos e ela me conta as novas adesões ao seu vocabulário. Quando lhe perguntei quais as preferencias havia listado para seu agente de intercâmbio escolher a família que a receberá, respondeu. “Quero uma família onde eu seja a mais jovem. Estou cansada de ter uma caçula na minha casa”.

CAMILA, 14 anos – Fisicamente puxou seu pai, é a mais alta de todos os netos, ultrapassou o avô que não se destaca pela altura e já iguala seu tio. Extremamente ativa assim que chega num ambiente novo pergunta: “O que eu posso fazer? Como posso ajudar”. Estuda mais ou menos no estilo de seu tio mais velho que já nos deixou. Faz o necessário para ser aprovada. Recentemente teve um dez em Ciências. Alguns dias depois falou para sua mãe: “Não quero mais ser Médica Veterinária, acho que vou cursar Engenharia Civil. Aliás, aproveitando me explica por que o curso chama Engenharia Civil? ” Seu avô questionado explicou ser uma antítese da engenharia militar que foi onde a profissão começou a se formar. Também como seu primo tem muita aptidão para esportes. No momento integra a seleção de voleibol de sua escola em Campinas e pratica há anos Hipismo de saltos. Vive no momento a transição de saltar obstáculos de 90 cm para 1 m. Como sua irmã estará no Canadá no segundo semestre ela e sua mãe programaram uma semana em setembro que irão para Holanda visitar uma amiga da mãe que está terminando seu doutorado. Acho que vão também examinar possibilidades de intercâmbio num país que cultiva muito o hipismo.