Melhor assim

Minha mãe, Greta, tinha um grupo de amigos, todos de origem russa. A característica principal, ninguém pertencia a uma família; eram todos “solteiros” e não tinham filhos. Em verdade, eu era exceção no caso, pois era o único “jovem” no grupo todo. Aos sábados o grupo se reunia para jogar buraco e depois jantavam juntos. Como eu às vezes comparecia acabei por conhecer os melhores restaurantes de São Paulo. Exemplos que existem até hoje – Marcel, Casserole.

Como não tinham família não havia quem cuidasse dos mesmos nos casos de doença ou mesmo óbito.

Os mais empreendedores e mais abastados sugeriram e em seguida criaram a SOCIEDADE FILANTRÓPICA PAULISTA. Um investimento digno de nota era a sede da SFP onde além dos escritórios havia uma dúzia ou pouco mais de chalés/suítes destinados a hospedar os mais idosos, os mais necessitados e aqueles que devido a doenças precisavam de cuidados constantes.

Minha mãe passou a colaborar com a SFP executando serviços na área contábil, tributária e administrativa. Mantinha os papéis em ordem.

Um dia, em nosso café da manhã me disse que Ivan, um dos asilados mais velhos, havia falecido na véspera. Depois de alguma conversa sobre Ivan, sua doença, como haviam providenciado seu enterro, ela me disse que o chalé que utilizava era um dos melhores da Sociedade. Em seguida me surpreendeu dizendo:

“Estou pensando em propor à Diretoria me hospedar na suíte que ficara vaga.”

Eu achei um absurdo. “Por que a senhora vai se asilar? Está em forma. Trabalha bastante para eles e ainda tem tempo para podermos nos encontrar. Eu não gosto da ideia!”

“Eu imaginei que você não gostaria, Micha. Mas é melhor nós discutirmos, eu querendo ir para a SFP e você contra. Se eu não mudar para lá, daqui algum tempo, estaremos discutindo e brigando você querendo me internar e eu contra.” Depois de argumentar que tinha recursos para contribuir na SFP pelo uso do chalé me disse que achava que o modo que propunha seria o mais conveniente. “Vai ser melhor assim!”

Andava o ano 2018 e tivemos uma “explosão”. André e Ana não queriam mais tocar juntos nossa empresa. Avisaram que iriam proceder a uma cisão. Neuza e eu ficamos muito chocados. Andávamos feito duas almas penadas. Depois de uma semana ou duas, já tendo iniciado pensar em como conduzir o processo, me ocorreu ter sido uma benção divina que a cisão se processasse enquanto Neuza e eu ainda estávamos por aqui. Poderíamos pelo menos palpitar.

Ficou acordado que não dividiríamos o patrimônio em 3 partes correspondendo aos 3 filhos e suas famílias, como sugerido por Marco Zanini, nosso contador, mas em 2 partes iguais. André e sua família assumiriam a parte dos herdeiros de Roberto, e Ana ficaria com o encargo de cuidar dos pais, que constam como usufrutuários.

Nestes 3 anos de pandemia e negociação familiar chego às vésperas de meus 85 anos. É um marco importante e ótimo para introduzir mudanças com que sonhava há tempos.

Ana assumiu o papel de principal executiva responsável pelas questões mais importantes. Pouco a pouco se afasta do dia a dia que vai repassando aos funcionários. Mantém seu principal interesse em questões do Meio Ambiente e há mais de 1 ano preside o COMDEMA de Americana. Na empresa, além da preocupação em expandir a Locadora para garantir as despesas correntes, elaborou e vem executando plano de expansão do Parque Aimaratá, plantando um bom pedaço com mirtilos (blueberries) e construindo um bom salão de eventos.

Monica assumiu a maior parte do dia a dia e de acordo com seu desejo amplia gradativamente sua área de responsabilidade. Melhorou muito sua comunicação sobre o que está acontecendo e quando não gosta de alguma ideia coloca seu ponto de vista com clareza, muito respeito, mas firme em sua convicção.

Ana Victoria tem se mostrado uma aluna muito dedicada; vai aprendendo com Monica e liberando-a para que possa se dedicar aos novos projetos. Dada sua habilidade com informática é um grande apoio para o casal octogenário.

Rodrigo é um bom comprador para as necessidades administrativas, tem cumprido as tarefas de motorista e tendo sido aceito no Curso de Técnico em Edificações vai certamente colaborar nas próximas obras.

Danielly mantem o escritório limpo e em ordem, em suma um ambiente convidativo e agradável; está sempre disposta a colaborar.

Tendo refletido sobre esta situação, tranquilo sobre os planos de expansão liderados por Ana, e nossa atual liquidez, mais o fato de que a idade só avança, conclui ser um bom momento para dedicar mais tempo com Neuza e comigo mesmo, viajar mais e sobretudo escrever com maior regularidade. Ao expor estas ideias para Ana e Monica, apoiaram ambas meu desejo mas insistiram que não seria necessária nenhuma formalidade; eu poderia dedicar mais tempo para mim. Foram gentis e me deixaram muito lisonjeado.

“Olhem, agradeço a posição de vocês, mas agora é uma boa hora para sair mesmo contrariando seus argumentos. Caso contrário, se eu ficar, dentro de algum tempo vocês vão querer fazer alterações que podem não me agradar. Estamos num bom momento para o que estou propondo. Vai ser melhor assim!”

Escrito em dezembro/2021.