Cap. 1: A menina dos olhos

Há pouco mais de um mês, a Editora Fundação Mário Covas brindou o leitor brasileiro com o livro: “Mário Covas – A ação conforme a pregação”. Resultado de um esforço da Fundação, dirigida com competência por Osvaldo Martins, o livro exibe os depoimentos de 24 personalidades que conviveram com Mário Covas em situações diversas. Começando com Pedro Simon, passando por Fernando Henrique Cardoso, temos oportunidades de conhecer os depoimentos de Antonio Ermírio de Moraes, Luiz Nassif, Delfim Neto, diversos Secretários de Estado e do Padre Ticão. A leitura é fascinante, dinâmica, com muita ação, à qual não falta inclusive a controvérsia; depoimentos divergem sobre o episódio da não participação do PSDB no governo Collor/Itamar.

O fato de diferentes testemunhas terem versões diversas sobre o mesmo episódio ensina-nos muito como ler documentos históricos, sobre como vemos os fatos com nossas próprias lentes.

Osvaldo Martins faz excelente apresentação sobre a figura de nosso ex-governador. Em outro contexto, defendi a tese de que os responsáveis por decisões tomam-nas influenciados por sua história de vida. Mário Covas experimentou cedo em sua carreira profissional, no final dos anos 50, a tragédia do Morro de Marapé, em Santos. Esse desastre marcou e deu rumos claros à sua conduta.

O dinheiro público, quando mal usado, está sendo roubado de pobres necessitados. Daí porque jamais se permitiu um gesto menor, algo que o ajudasse eleitoralmente.

Perguntava-se sempre: “O que é certo neste caso?” Alcançada a resposta, por aí ia. E como era um mestre na habilidade de motivar sua equipe de trabalho, arrancava de cada um de nós o máximo, como bem frisou Osvaldo Martins. Dos empreiteiros exigia o máximo no cumprimento do contrato; de seu lado também cumpria integralmente sua parte e pagava em dia. Jamais se permitiria pedir-lhes um “gesto político”.

Faço um pequeno reparo. Na área que tive o privilégio de liderar, Mário Covas exibia as mesmas características do restante da sua pregação política e ação executiva. Seus olhos brilhavam mais fortes cada vez que inaugurávamos uma estrada vicinal; quanto mais pobre a região, quando mais afastado o distrito, maior sua alegria. Fizemos muito, e fizemos muito onde antes quase nada havia sido feito, no Sudoeste do estado e na direção do Pontal. Era para dar melhor condições às regiões mais pobres, aos desafortunados. A ação executiva ocorria onde versava a pregação política: esquerda do centro.

O governador entendia a necessidade de uma obra como o Rodoanel, assim como um engenheiro, um executivo financeiro que foi; sabia realizar os cálculos e apreciava o ganho econômico que essa obra e outras de igual porte trariam a sociedade. Mas as vicinais, ah!, as vicinais, essas tocavam sua alma. Essas levam a professora até as escola, o doente ao Posto de Saúde, escoam a produção familiar realizada com tanto esforço. Não, Osvaldinho, eu certamente não diria que a menina dos olhos era o Rodoanel. A menina dos olhos eram as vicinais!

Certa vez, sobrevoando nossa infra-estrutura de transportes, já doente, comentou que havíamos mudado o cenário do estado e disse: “Devemos fazer um livro documentando com fotos estas estradas”. A Fundação Mário Covas e seu competente presidente nos devem outra obra-prima como a que acabaram de produzir.

Texto publicado originalmente em 07/06/2003 no Jornal Todo Dia e capítulo 1 do livro “A Menina dos Olhos”.