A – INTRODUÇÃO
A revista Economist em seu número de 19/05/2022 publicou em sua página de Obituário (é sempre a última), notícia sobre o óbito do jornalista japonês Saotome Katsumoto. O intrigante da matéria é que este jornalista tinha passado a maior parte de sua vida descrevendo os horrores dos bombardeios que os Estados Unidos fizeram sobre áreas civis em Tóquio. Estes bombardeios aconteceram antes dos de Hiroshima e Nagasaki; e, segundo o referido jornalista os bombardeios sobre Tóquio foram muito piores do que os que usaram pela primeira vez energia nuclear.
Separei o exemplar da revista pois pretendia escrever artigo sobre esta descoberta e a hipocrisia em acusar outros países por ocasionar diversas mortes provocadas por guerras que estão enfrentando.
O tempo foi passando e eu ocupado com as últimas providências para o lançamento de meu livro “Apesar disto, rolou” e mais o término da transferência da gestão de nossos negócios familiares para a geração que segue, acabei por perder o exemplar do Economist.
Ocorre que agora, estando eu em pleno sossego, descansando, perfeitamente desempregado, lendo a biografia de Robert Oppenheimer, me deparei com o mesmo assunto, tratado no capítulo 22 e 23. Resolvi voltar ao tópico tentando difundir os fatos.
B – O INCÊNDIO ESQUECIDO1
Comecemos por 1967, 3 anos depois do Japão ter mostrado sua autoconfiança organizando a Olimpíada. Trabalhadores de uma das linhas do Metrô (linha Tozai) encontraram os restos de um abrigo antiaéreo; dentro jaziam os esqueletos de seis pessoas agrupadas – dois eram de crianças, outras exibiam crachás budistas que identificaram – mãe, filho e outros parentes de Shizuo Tsuzuki, que havia deixado o abrigo para buscar algo e hoje é presidente de uma empresa. Ali estava a esposa que não via há 22 anos.
A maioria das pessoas ao lerem esta notícia estremeceram e viraram a página, mas a reação de Saotome Katsumoto foi bem diferente. Aqui, estava a tragédia que tinha sido o único assunto sobre o qual escrevera desde que começou a ser um escritor. O bombardeio americano de Tóquio que foi deixado de lado, em uma única noite de março de 1945 matou cerca de 100.000 pessoas e deixou um milhão desabrigados.
Uma esquadra de 334 bombardeiros B-29 fora enviada das ilhas MARIANAS para destruir o distrito de Shitamachi, uma região pobre densamente povoada, com o intuito de reduzir a produção de armas de guerra, mas, também nas palavras do General Curtis LeMay, apagar Tóquio do mapa.
Foi o ataque aéreo mais letal da história com mortes próximas em número a Hiroshima e maior do que Nagasaki, ambas atacadas por bombas atômicas. Estes horrores objeto de uma nova tecnologia fixaram-se na memória universal enquanto o incêndio que devastou Tóquio foi deixado de lado enterrado como os esqueletos.
Saotome Katsumoto decidiu quebrar o silencio. O grande ataque deveria ser discutido e descrito nos livros escolares. Provas deveriam ser juntadas, do solo e de testemunhas. Se ninguém mais ousava contrariar o governo japonês, que não desejava abrir questões sobre a guerra, ele o faria, pois aparentemente era o único a manter em si o fogo.
Ele esperava que o governo o apoiasse, mas ficou desapontado. Nenhuma ajuda. Em 2002 abriu o Centro do Ataque a Tóquio e destruição da guerra, cheio de relíquias, mapas e manuscritos. Teve que ser algo modesto pois dependia de doações particulares e ele se convencia que não havia escrito e falado o suficiente.
Seu maior desejo, sua ambição – acabar com guerras – estava muito longe de alcançar. Em suas últimas semanas de vida viu filmes de ucranianos fugindo de seu país, entre estas figuras via as vítimas de Shitamachi empurrando seus carrinhos e as crianças gritando, inesquecível como sempre.
1 – O artigo foi publicado, com este nome, na seção OBITUARIO do Economist de 19\05\2022.
C – AGORA SOMOS TODOS FILHOS DA PUTA2
Em 12 de Abril de 1945 faleceu Franklin D. Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, sendo substituído por Harry Truman. Em 30 de Abril de 1945 Adolf Hitler cometeu suicídio e oito dias depois a Alemanha se rendeu. A “bomba” estava pronta para ser usada, mas a razão principal – derrotar a Alemanha – havia desaparecido. Não era mais necessária a bomba.
“Roosevelt foi um grande arquiteto; quem sabe Truman possa ser um bom carpinteiro” exclamou Oppenheimer.
Seguiram-se várias reuniões de físicos com autoridades governamentais americanas (políticos) onde o tema era convencer as autoridades o não uso da bomba que acabava de ter seu teste aprovado. Uma variante que apareceu nos vários debates foi se os EEUU deveriam ou não comunicar à Rússia o que pretendiam fazer. Ninguém estava alheio ao fato de que o uso militar da bomba seria decidido exclusivamente na Casa Branca.
Os físicos argumentavam que a bomba tinha limitada importância militar, achavam importante avisar os russos com antecedência.
“Se contarmos aos russos o que pretendemos fazer e então usarmos a bomba no Japão eles vão entender?” – questionaram os políticos.
“Entenderão bem demais.” O general Marshall presente a esta reunião advertiu sobre demasiada fé na efetividade de um mecanismo de inspeção. Oppie3 diverge e disse que a Rússia sempre foi amiga da ciência.
Numa reunião com Stimson (Secretário de Guerra), 4 cientistas – Oppie, Enrico Fermi e mais dois físicos ficaram tranquilizados quando ouviram de Stimson frases como: “a bomba atômica é uma revolucionária mudança nas relações do homem com o Universo. A importância da bomba vai muito além da presente guerra”.
Em 25 de Maio 3 cientistas, liderados por Szilard, compareceram à Casa Branca, mas foram informados que Truman os encaminhava para Tomas F. Byrnes que seria nomeado Secretário de Estado. Foram até Carolina do Sul, em Spartamburg, residência de Byrnes, para uma reunião que se mostrou no mínimo improdutiva. Quando tentaram explicar que o uso de uma bomba atômica contra o Japão transformaria a União Soviética numa potência atômica, Byrnes interrompeu dizendo que a Rússia não tinha urânio. Os cientistas retrucaram informando que a União Soviética tinha urânio de sobra.
De volta a Washington, em 30 de maio, Szilard fez outra tentativa de bloquear o uso da bomba. Conseguiu marcar um encontro com Oppenheimer que iria ter uma audiência com Stimson, Secretário de Guerra. Oppie achava-o um intrometido, mas decidiu que deveria ouvi-lo. “A bomba atômica é uma merda” disse Oppie após ouvir os argumentos de Szilard. “Aí está uma arma sem importância militar alguma. Ela vai fazer um enorme barulho, sem dúvida, mas não é uma arma que possa ser útil numa guerra.”
Alguém comentou que os efeitos da Bomba Atômica não seriam maiores que os de alguns bombardeios aéreos desfechados contra cidades japonesas naquela primavera. Oppie discordou e falou do efeito visual e nos efeitos dos nêutrons espalhados no círculo de pelo menos 1 km.
Stimson disse concordar com o alvo da primeira bomba atômica do mundo ser uma fábrica de armamentos vital com grande número de trabalhadores empregados e cercada pelas casas dos mesmos. Assim, o Presidente da Universidade de Harvard escolheu civis como alvo da primeira bomba atômica.
Oppie defendia vigorosamente a ideia de Bohr de que os russos deveriam ser informados de imediato sobre a nova arma. Não conseguiu nada, os soviéticos não seriam informados sobre o Projeto Manhattan e a bomba seria lançada numa cidade japonesa sem aviso prévio.
Em 16 de Junho de 1945 Oppenheimer assinou um curto memorando endereçado ao Secretário Stimson no qual sintetizava as recomendações do painel científico “sobre o uso imediato de armas nucleares”; Oppenheimer neste momento colocava seu peso do lado daqueles que “enfatizam a oportunidade de salvar vidas americanas com o uso imediato da bomba”.
Oppenheimer não estava ciente de que a inteligência em Washington havia interceptado e decodificado mensagens do Japão que indicavam que o governo japonês entendia que a guerra estava perdida e vinha buscando termos de rendição aceitáveis.
Em 18 de Junho o chefe de gabinete de Truman, almirante William D. Leahy escreveu em seu diário: “No presente momento, creio que uma rendição japonesa pode ser arranjada em termos aceitáveis para o Japão”.
O Secretário Assistente da Guerra, John J. McCloy, escreveu em seu diário em 17/07: “O envio de um aviso agora atingiria os japoneses no momento certo. Provavelmente traria aquilo que esperávamos: o encerramento bem-sucedido da guerra”.
O General Dwight Eisenhower ao ser informado sobre a existência de uma bomba atômica na Conferencia de Potsdam, em julho, disse a Stimson que achava o lançamento desnecessário porque “os japoneses estavam prontos para se render, portanto não era preciso atingi-los com aquela coisa horrorosa.”
O próprio Truman parecia achar que os japoneses estavam muito próximos de capitulação. Em uma anotação em seu diário particular em 18 de julho de 1945, o presidente mencionou um telegrama recém interceptado do Imperador Japonês ao emissário em Moscou como um “telegrama do imperador pedindo paz”.
Truman extraíra de Stálin a promessa de que a União Soviética declararia guerra aos japoneses em 15 de agosto. Isolado em Los Alamos, Oppenheimer não tinha nenhum conhecimento das interceptações da inteligência, nem que a bomba atômica permitiria que os Estados Unidos encerrassem a guerra sem uma revisão dos termos de rendição incondicional e sem a intervenção soviética.
Leo Szilard redigiu um memorando datado de 16/06 que circulou pelas instalações do Projeto Manhattan. A petição instava o Presidente Truman a não usar bomba atômica contra o Japão sem uma declaração pública dos termos da rendição em detalhe e que o Japão, ciente destes termos os tinha recusado. Ao longo das semanas seguintes a petição de Szilard foi assinada por 155 cientistas do Projeto Manhattan.
Oppie delegou a escolha de um local para realizar o teste com a bomba atômica a Ken Bainbridge e pediu a seu irmão Frank para servir como principal auxiliar administrativo.
Na noite de 11 de julho de 1945 Oppie despediu-se de Kitty e disse-lhe que se o teste fosse bem sucedido enviaria uma mensagem com o código “Pode trocar a roupa de cama”. Para dar sorte ela lhe deu um trevo de 4 folhas. Após a realização do teste, Oppenheimer virou-se para apertar as mãos de Ken Bainbridge que o olhou dentro dos seus olhos e murmurou: “Agora somos todos filhos da puta”. Em seguida, Oppie tomou um copo de conhaque e telefonou para Los Alamos, pedindo à secretária que desse um recado a Kitty: “Diga a ela que pode trocar a roupa de cama”!
2 – Este é o título do capitulo 22 de OPPENHEIMER – O triunfo e a tragédia do Prometeu americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, tradução de George Schlesinger, Editora Intrínseca.
3 – Oppie era como os físicos chamavam o Oppenheimer em suas reuniões.
D – “Aquelas pobres pessoas”4
Após o retorno a Los Alamos todos pareciam em festa. A euforia era de se esperar. Todos tinham ido a Los Alamos por um bom motivo. Todos havia trabalhado muito para realizar uma tarefa difícil. O trabalho em si tornou-se satisfatório.
Oppenheimer estava pensando; nos dias que se seguiram ao teste da bomba, o humor dele começou a mudar. Após o teste o dispositivo se tornara uma arma, e armas eram controladas pelos militares.
Anne Wilson, secretária de Oppenheimer recordou uma série de reuniões com oficiais das Forças Armadas. “Estavam escolhendo alvos”.
Oppie costumava ir caminhando de sua casa até a Area Técnica e ia encontrando com outros colegas que faziam caminhadas semelhantes. Ele ia de cachimbo na boca e ouviram ele murmurar “Aquelas pobres pessoas”.
Na noite de 23 de julho reuniu-se com o general Thomas Farrell e um auxiliar, o tenente coronel John F. Moynaham, dois oficiais sêniores designados para supervisionar o trajeto do bombardeiro sobre Hiroshima a partir da ilha de Tiniam.
Oppie andava nervosamente de um lado para outro, fumando uma sucessão de cigarros, queria se assegurar que haviam entendido as precisas instruções que dera para levar a bomba até o alvo. “Não permitam que a bomba seja lançada com nuvens ou nevoeiro, é preciso ver o alvo, o lançamento exige confirmação visual. A altitude deve ser respeitada pelo número nela afixado.
Oppenheimer presumia que as discussões em Potsdam onde Truman estava reunido com Churchill e Stalin, versavam sobre a informação aos russos sobre a existência da bomba e seu iminente uso contra o Japão. Mais tarde ficou estarrecido ao saber o que de fato havia acontecido. “Em 24 de Julho”, Truman escreveu em suas memorias “mencionei casualmente a Stalin que tínhamos uma nova arma de força destrutiva incomum.”
Em 6 de Agosto de 1945, às 8h40’ da manhã um bombardeiro B-29 soltou uma bomba de urânio sobre Hiroshima às duas da tarde o general Groves, ligou de Washington para Oppenheimer. “Estou orgulhoso de você e de todo seu pessoal. Foi um longo caminho, e acho que uma das coisas mais sábias que já fiz na vida foi escolhe-lo como diretor de Los Alamos”.
Naquela noite uma multidão se reuniu num dos auditórios à espera de Oppenheimer. Ele escolheu entrar pelos fundos e descer pelo corredor central, foi muito aplaudido. Quando disse que estava muito orgulhoso do que haviam conseguido, a única coisa que lamentava era não termos desenvolvido a bomba a tempo de usá-la contra os alemães. Essas palavras praticamente fizeram voar o telhado.
E então, três dias depois, uma segunda bomba arrasou Nagasaki, era 9 de agosto.
Em 8 de Agosto de 1945, a União Soviética declarou guerra ao Japão.
Em 14 de Agosto a Rádio Toquio anunciou que o governo aceitava os novos termos e consequentemente a rendição.
Oppie havia tentado explicar o sentimento de futilidade dos cientistas em relação a qualquer trabalho adicional na bomba atômica. Deixou implícito que a bomba deveria ser tornada ilegal, mas não sentiu nenhum apoio em Washington. Teve a nítida impressão de que as coisas tinham corrido extremamente mal em Potsdam.
Em 16 de Outubro de 1945 Oppenheimer renunciou formalmente à direção de Los Alamos, estava com 41 anos.
4 Título do capítulo 23 da biografia de Oppenheimer.
E – O DIA DE HOJE
Hoje 8 de maio comemora-se na Rússia o Dia da Vitória; 80 anos da rendição da Alemanha no fim da 2ª. Guerra Mundial. O presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva convidado por Putin, presidente da Rússia se encontra em Moscou para as festividades e terá um jantar a convite de Putin.
Os jornais exibem na seção internacional notícias sobre ataques aéreos entre Índia e Paquistão; ambos países dominam a técnica de bombas atômicas.
O jornal O ESTADO DE SÃO PAULO na página A11 estampa: “Paquistão autoriza retaliação após ataque da Índia que matou 31 pessoas. Os dois vizinhos, que possuem armas nucleares, trocam disparos e acusações; governo paquistanês promete vingança e garante ter abatido cinco caças indianos.”
O jornal FOLHA DE SÃO PAULO na página A38 estampa; “Novos ataques aumentam tensão entre Índia e Paquistão na Caxemira. Pior escalada na região em duas décadas matou ao menos 43 pessoas e envolve ataques aéreos e fogo de artilharia; comunidade internacional pede moderação.”
Na coluna ao lado consta “Bombardeios atribuídos a Israel matam dezenas na faixa de Gaza”. Os ataques de Israel contra os palestinos, seja bombardeios em áreas civis seja a construção de novas residências na Cisjordânia tem todo aspecto de um Genocídio.
O ataque de Israel, com apoio dos EEUU e outros países ocidentais é brutal. Israel inclusive anuncia ser contra a criação de um Estado para os palestinos.
A situação é tal que se você manifestar critica à conduta do governo de Israel você será tachado antissemita. Não, não sou antissemita só quero saber onde está o Tribunal Internacional de Haia…