Prefácio, por Luiz Carlos Bresser-Pereira

No belo artigo de Michael Zeitlin sobre Mario Covas, a “menina dos olhos” do grande estadista eram as estradas vicinais. Sua grande obra era o Rodoanel, mas seu carinho particular estava voltado para as vicinais, que levam a professora até a escola, o doente ao posto de saúde. E a menina dos olhos do próprio Michael, quem é? Não tenham dúvida, sempre foi Americana, ainda que ele tenha dedicado grande parte de seu esforço a São Paulo e ao Brasil.

Michael Zeitlin é um professor e um homem público com uma carreira extraordinária. Somos amigos e colegas há muitos anos. E, desde que o conheci, não deixo de admirá-lo por suas qualidades de inteligência, equilíbrio, e espírito público. Michael foi um dos primeiros professores da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo a fazer um doutorado no exterior. Engenheiro, professor de métodos quantitativos da GV, voltou dos Estados Unidos ainda nos anos 60 com um doutorado pela Universidade de Stanford. Não é pouca coisa!

Mas o Ph.D era apenas uma etapa. Na GV, demonstrou-se logo um extraordinário professor. E embora não participasse da política da Escola, terminou sendo seu diretor. Digo sempre que foi seu melhor diretor. Uniu a Escola, modernizou-a fisicamente, trabalhou por
seu equilíbrio financeiro, estimulou sua renovação acadêmica, abriu novos rumos.

Quando seu grande amigo Mario Covas foi eleito governador de São Paulo, convidou-o imediatamente para ser seu secretário. Mas o poder para Michael só fazia sentido se fosse para servir seu estado e seu país. Pediu tempo. Tinha uma tarefa mais urgente e, a seu ver,
mais necessária para completar. Quando a terminou, atendeu ao convite do grande homem público, e foi seu Secretário dos Transportes. Realizou, então, um trabalho extraordinário. Em um setor em que os cartéis e a corrupção estão por toda parte, como é o caso das obras públicas, ele atuou com firmeza e absoluta probidade. Em um setor em que é fácil tornar-se vaidoso de suas realizações concretas, das obras públicas realizadas, agiu sempre com modéstia – modéstia incompatível com sua inteligência e competência, mas própria daqueles que estão preocupados com os resultados do trabalho e não com os aplausos.

Terminada sua missão no governo de São Paulo, Michael Zeitlin continua a ensinar na GV, mas agora pode, com sua mulher e companheira de sempre, dedicar-se mais integralmente à sua Americana. E a escrever estes belos artigos no TODO DIA. Só posso dizer que ter um cidadão deste porte dedicado à sua cidade é um privilégio. Um privilégio de Americana.

Em seus artigos ele nos fala de muita coisa. Fala do Brasil e de seus grandes problemas, fala da educação, do desenvolvimento econômico, da boa administração, e das políticas públicas; fala da liberdade, da justiça, e da desigualdade; fala da política, de sua
experiência de governo, da ética, e de Mário Covas. Em certos instantes, é o engenheiro com uma visão clara e prática das coisas; em outros, é o cientista social interessado em compatibilizar a engenharia e a lógica com a vida econômica e social; em outros, ainda, é quase um filósofo moral, buscando as relações entre a ética e a economia, a ética e a engenharia, ou nos mostrando como a idéia de compromisso é fundamental para explicar o comportamento humano.

Os homens buscam, sem dúvida, seus interesses pessoais. Não seriam humanos se não o fizessem. Mas, ao contrário do que afirma a teoria econômica dominante, seu comportamento não é regido apenas por esses interesses. É também regido por valores, principalmente quando eles se transformam em compromisso para com sua cidade, para com sua pátria, e mesmo para com todos os demais seres humanos. Neste livro, Michael Zeitlin escreve a partir desta perspectiva, que é a perspectiva de sua vida.

Prefácio escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira ao livro “A Menina dos Olhos”, de Michael Paul Zeitlin (Americana: Editora
Adonis, 2004)
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