Na França, o Sol gira em volta da Terra

O filme hindu, “Quem quer ser um milionário” popularizou um programa de TV que é transmitido em diversos países. Independente do país onde esteja sendo apresentado o programa segue o mesmo conjunto de regras: os concorrentes respondem a perguntas de múltipla escolha, cuja dificuldade cresce com o aumento das quantias em jogo. As primeiras perguntas são sempre “babas” e com o passar do programa as perguntas ainda fáceis passam a ser um pouco menos triviais. Quando o concorrente encontra dificuldade com uma das perguntas ele pode recorrer a uma de três alternativas de apoio: telefonar para um amigo ajudar, pedir para diminuírem o número de alternativas ou consultar a platéia.

Os irmãos Brafman, Ori e Rom, respectivamente especialista em organizações e doutor em psicologia, ambos ex-alunos da Universidade de Stanford, e atuando no Vale do Silício, nos contam um episódio ocorrido na França. Quando um concorrente, havia respondido a várias perguntas, e seu premio ficou mais substantivo, o apresentador lhe perguntou: “O que gira em volta da Terra?”  e apresentou 4 alternativas: a) A Lua, B) O Sol, C) Marte e D) Vênus. Henri, o participante, demonstrou certo grau de nervosismo o que levou o apresentador a aconselhá-lo: “Não se apresse; e se tiver alguma dúvida use uma das 3 alternativas de apoio permitidas”. Precisando de toda ajuda possível, Henri resolveu ouvir a platéia. Surpreendentemente, ao mesmo tempo em que 2% indicaram Vênus como resposta certa, 42% indicaram a Lua – a resposta certa – e 56% indicaram o Sol girando em volta da Terra. Estes mesmos não esconderam seu riso quando o apresentador desclassificou Henri por ter seguido o conselho da resposta errada. O que nos interessa neste ponto é descobrir qual motivo levou a maioria da platéia escolher uma resposta errada e arrastar consigo o pobre Henri.

Pesquisas posteriores conduzidas com os participantes da platéia revelaram que temos todos, uma profunda aderência a regras de justiça, e que iremos longe para defender este nosso conceito. Aos presentes ao programa não pareceu justo que Henri sem saber que a Lua gira em volta da Terra ganhasse centenas de milhares de euros. Para tornar o conceito de justiça mais claro podemos retomar um experimento conduzido por psicólogos alemães. No experimento os pesquisadores colocaram pares de pessoas escolhidas ao acaso em quartos separados. Ambos eram informados que não poderiam se comunicar, não conheceriam a identidade do parceiro e que a experiência só ocorreria uma vez. Um deles recebia uma quantia em dinheiro – digamos R$ 100 – e devia decidir como dividi-la com seu colega desconhecido. A dificuldade era a inexistência de negociações. Feita a proposta de como dividir o dinheiro cabe ao segundo participante escolher entre duas alternativas: aceitar a proposta e ganhar o que lhe era oferecido ou recusar, caso em que ambos ficam sem ganhar nada. A maioria de nós optaria por oferecer dividir o prêmio igualmente entre as partes. De fato, é isto que se observa, a maioria dos participantes oferecem dividir o montante em partes iguais. Todos os parceiros que recebem esta proposta aceitam-na. O interessante, no entanto, é observar o que ocorre quando um dos participantes oferece dividir o prêmio em partes desiguais ficando com a parte maior. Como se pode esperar a maioria dos que recebem esta oferta fica indignada. E mais, indignada a ponto de recusar a oferta completamente. Ninguém ganha nada! De um ponto de vista estritamente econômico o racional seria aceitar o que lhe era oferecido. Algum dinheiro é melhor do que nenhum dinheiro. Mas, não é assim que funcionamos. O espírito de justiça neste experimento é suficientemente forte para que os participantes recusassem a oferta mesmo nos casos em que o montante a ser dividido era aumentado substancialmente.

O que aconteceria no caso se em vez de Henry ser o participante, o apresentador tivesse feito a pergunta a um menino(a) do primeiro ano fundamental? Uma variante do experimento de divisão fornece resultados esclarecedores. Da mesma forma que no experimento original os participantes foram informados sobre as regras com a alteração de que em vez de terem um parceiro decidindo como dividir e escolhendo a própria parte, esta tarefa seria feita por um computador. Quando os participantes recebiam propostas de divisão desigual não se indignavam e aceitavam o que lhes era oferecido, mesmo que fossem valores que recusariam se viesse de parceiro humano. Em outras palavras, em questões de justiça, é o processo, e não o resultado que nos causa indignação. Não esperamos que um computador se comporte com justiça, mas esperamos um comportamento justo por parte de nossos parceiros.

Tais estudos têm importância prática muito grande se você é franqueado ou concessionário de indústria maior que lhe cede a marca e estabelece regras de funcionamento não é tanto o resultado final que estabelece o tipo de relacionamento que você terá com a sede e sim a percepção que você tem de como o processo de seu relacionamento é administrado. Na área de construção civil é comum a formação de consórcios ou mesmo de S.P.E. Ambos os casos são uniões temporárias visando realizar uma tarefa comum. Um dos participantes é o líder do consórcio (ou da S.P.E.) e faz os pagamentos e a divisão do resultado enviando os recursos ao sócio menor. Concluída a tarefa que se propuseram o que fica como lembrança e imagem do parceiro é seu comportamento, como administrou o processo. Em geral não haverá grandes questões ou valores altos em disputa, se os houvesse teria havido negociações sérias para desfazer a associação. É a pequena disputa não resolvida durante muito tempo permanece. É o que um autor chama de “pulga”. Muito pequena, quase imperceptível, mas incomoda muito. O sentimento de ter sido tratado de maneira injusta prejudicará qualquer chance futura de novos negócios.

O mesmo vale para implementação de políticas publicas. Alem do conteúdo a forma de comunicar é extremamente importante. Muitas medidas governamentais que alteram paradigmas, e estabelecem métodos mais eficientes de se administrar a res publica não são bem aceitos pela população, pois a comunicação não levou em conta os sentimentos mais arraigados dos ouvintes, sempre desconfiados com novidades, temerosos do novo, e escaldados por experiências ruins anteriores. É preciso muita atenção não só com o conteúdo, mas também com a mensagem.

As observações acima pertencem ao livro que os irmãos Brafman publicaram em 2008, e que foi traduzido para o português como Sway, a força irresistível que nos leva a um comportamento irracional. 

A revista Economist em sua edição relativa à última semana de janeiro de 2011, traz Relatório Especial sobre a riqueza do mundo e claro sobre os ricos. A crise mundial provocou uma tempestade de raiva pública contra o sistema financeiro, os banqueiros e contra os ricos em geral. Também houve um grande aumento no número de estudos sobre a desigualdade. Na grande maioria dos países com importância na economia mundial a desigualdade cresceu durante a crise. O Brasil foi o único país grande onde houve redução da desigualdade, medida pelo coeficiente de Gini, a medida mais frequentemente utilizada. Este aumento da desigualdade desperta nossa indignação e raiva, pois percebemos que aqueles que causaram em grande parte a crise, se aproveitaram e ficaram com uma parcela ainda maior do pouco que há para todos. 

Na Inglaterra, R.Wilkinson e K.Pickett publicaram um livro no qual procuram mostrar que a desigualdade é a causa de todos os males sociais. Concluem com o subtítulo de seu livro “Por que a Igualdade é melhor para todos”. O argumento central é que a sociedade moderna desigual viola o sentimento de justiça enraizado nas pessoas. Propõem como conseqüência maior carga de impostos sobre os ricos, mais empresas organizadas como cooperativas. Embora seus estudos estejam sofrendo críticas quanto a sua metodologia estatística não há dúvida que à medida que o mundo se desenvolve, e melhoram as comunicações, vamos assistir a maior pressão por uma distribuição mais eqüitativa da riqueza mundial, por mais transparência nas remunerações de dirigentes, por mais regulação, que seja também mais transparente. 

Escrito em 11/02/2011 às 18:39.