Desabafo

Ao sair da aula do Curso de Redação do Prof. Gilson Rampazzo parei e lhe disse, em tom de consulta:

— Professor, eu estou planejando escrever a história de minha família desde 1900, ano em que nasceram meus pais, até 2002, quando saí do Governo de SP e fui para Americana cuidar do que Neuza havia herdado. Vai dar um século. Dalí em diante o período é muito recente e não terei distância para relatá-lo.

— Faça um apanhado geral descrevendo o que vocês fizeram, respondeu-me!

— Obrigado. Vou pensar…não tinha me ocorrido algo assim.

Em seguida fui encontrar-me com ex-colegas, ex-professores da GV, parte do famoso grupo de 16. Os 16 professores concursados demitidos pela FGV, em 2006. Encontrávamos de tempos em tempos no Nello´s para beber e jantar.

— Michael, um abraço. Você está com uma cara muito abatida. O que foi que houve?

— Ruben, não aconteceu nada especial, mais um pouco do mesmo. Tudo que eu ponho a mão vira merda. Sou um rei Midas às avessas.

— Como? Como tudo vira merda? Olha a maravilha que foi seu mandato de 4 anos como Diretor da Escola.

— Tá bom, Norberto. Vamos olhar para a Escola. O que sobrou do que fizemos juntos. Quarenta e três anos de magistério que terminaram com demissão “imotivada” e mais um cálculo das verbas rescisórias que só Deus sabe. Sete anos de processo trabalhista! E isso porque o meu andou depressa por ser idoso, mais do que 65 anos.

— Mas você ganhou Michael e pavimentou o caminho para todos nós!

— Mazon, o caso do processo é um caso pequeno. Ganhamos, mas a Escola? Depenaram a coitadinha, transferiram todas as receitas para o Rio, deixaram só os cursos regulares e transformaram o Diretor num pedinte. A Escola é mais uma… o importante é faturar.

— E sua atuação na Secretaria de Transportes? O Programa de Concessões rodoviárias é considerado um modelo inclusive por gente como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

— Menos pela Dilma (risos).

— Meu genro trabalha num dos grandes bancos e diz que o que se fez em São Paulo é padrão para primeiro mundo. Além das concessões você também criou um Programa para salvar vidas, para reduzir acidentes fatais.

— Cecilia, você é uma amiga de verdade e vê tudo com seus olhos que só vêm o lado bom! Olhe os jornais, toda hora tem notícias de corrupção no Rodoanel. Ninguém quer saber que fizemos o trecho Oeste por um custo inferior ao orçamento. Com o PT batendo todos os dias não acharam nada errado. Olha que em virtude do desconhecido tivemos que fazer aditivos até o ponto de superar os 25% permitidos pela lei de licitações. Lembro bem que o Governador Covas me disse um dia:

— Você está querendo ser preso? É verdade que você quer autorizar aditivos acima de 25% do contrato original?

— É verdade! Não se preocupe que o Governo está protegido, além de laudos dos melhores juristas tive uma conversa pessoal com Celso Antônio Bandeira de Melo que é petista de carteirinha. Conhece direito administrativo como poucos e me deu uma aula afirmando que não se trata de “poder fazer” e sim de “dever fazer”.

— E então?

— Então é que nos trechos sul e leste há indícios de irregularidades e todo mundo acha que é tudo a mesma coisa, quando na realidade são mandatos diferentes, não estive a frente das obras destes trechos.

— Graças a Deus você está livre destas preocupações e está cuidando de seus negócios em Americana.

— Pois é; eu tinha um sonho de fazer desenvolvimento urbano sem nada de corrupções, fazer loteamentos fechados para famílias de classe média e média baixa, fazer um Parque de Turismo de Aventura e outras tantas loucuras sempre usando uma empresa familiar de boa governança.

— Soube que vai tudo bem. As notícias vêm até São Paulo.

— Aconteceu o pior, os filhos não se entendem, tive que voltar, intervir, estão todos bravos, e claro Neuza fica dividida entre os briguentos. Parece que vamos ter que dividir a empresa entre os sócios. Com a devida vênia de Juca Kfouri, por usar seu título como inspiração, decidi dar ao meu livro o título “CONFESSO QUE FRACASSEI”!

Escrito em 18/03/2018 às 09h01min.