Discurso de Formatura na Pós-Graduação em Administração de Empresas, da FGV

“No mundo de amanhã, as nações independentes serão aquelas cujas empresas possam concorrer na escala internacional.
Mais precisamente, aquelas que, nos setores mais importantes da produção, tenham empresas situadas no pelotão de vanguarda mundial no que se refere a criatividade, qualidade, custo, flexibilidade e adaptação às técnicas e às necessidades.
Não se trata de uma questão de tamanho, que é um aspecto totalmente outro.”

Octave Gélinier em “O segredo das Estruturas Competitivas”

Esta não é uma formatura comum; trata-se de gerentes empresariais dos mais variados setores e com as mais diversas origens que decidem com sacrifício próprio e de suas famílias aprimorar seus conhecimentos. Esta busca de um aperfeiçoamento e de uma atualização nas técnicas gerenciais de administração revela um esforço para colocar-se na vanguarda do processo que se desenrola entre nós.

Num país onde a porcentagem de analfabetos se mede as dezenas e as estatísticas confirmaram uma pirâmide educacional sem precedentes, somos elite.

Elite de um país carente de todos os recursos, sobretudo o humano.

Esta situação particular nos carrega de responsabilidade e é conscientes dela que nos reunimos hoje. Sabemos que constituímos o grupo privilegiado no qual a nação investiu seus recursos para moldar o instrumento que utilizará a fim de romper o subdesenvolvimento.

Neste sentido temos empregado no campo profissional os conhecimentos obtidos em nossos cursos de graduação; tendo em vista esta perspectiva procuramos o curso que hoje concluímos e esta será a ênfase de nosso trabalho posterior.

Kerr e outros mostraram em estudo útil para a compreensão do processo de industrialização das nações que esta pode ser iniciada por cinco tipos de elite: os antigos colonizadores, as classes dominantes; a classe média; os militares revolucionários e os intelectuais revolucionários.

Nossa industrialização iniciada de forma mais sistemática a partir de 1930 teve como elite dirigente as classes dominantes existentes na época: agrária e comercial.

Esse tipo de elite conduziu nossas empresas para o tipo familiar tradicional. Tais empresas não tem por objetivo central a expansão e o lucro, mas sim a conservação do patrimônio e a independência em relação a dirigentes profissionais.

Entendemos que o país atravessa um momento histórico de sua industrialização em que a fase de substituição de importações terminou obrigando-nos a diversificar, evoluir, romper por fim a barreira tecnológica. Para um país com 40 milhões de marginalizados, face ao processo econômico é preciso criar empregos. Seja Deus ou a História o juiz que preferirmos, seremos julgados pelo número de empregos que criarmos. Este processo científico e tecnológico só é possível dentro de empresas dotadas de “Administração Moderna”, no dizer de Gelinier, de quem emprestei a citação inicial.

É chegada a hora do administrador profissional. Não é sem razão que durante jantar em homenagem ao Superintendente do I.P.T. da U.S.P dizia eminente empresário brasileiro, hoje Presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo: “Dois problemas de suma gravidade para o Brasil são a barreira tecnológica e o vazio gerencial”.

Sabemos ser difícil nossa tarefa, uma vez que o subdesenvolvimento cria dificuldades para se entender o conceito de administração moderna. A mentalidade de conservação do patrimônio não coexiste com a necessidade de evolução tecnológica.

Cônscios dessa responsabilidade, prometemos entregar nossos esforços no sentido de transformar as empresas brasileiras em empresas competitivas no plano internacional, em oportunidades de realização pessoal para todos os empregados, em empresas onde não impere o nepotismo e a estrutura de castas.

Esta é a razão, Sr. Manoel da Costa Santos, digno representante da Petrobrás, de termos escolhido para nosso patrono uma empresa. Uma empresa criada, organizada e dirigida por técnicos brasileiros, inserida dentro da realidade brasileira e atendendo em primeiro lugar as nossas necessidades.

Tal é o valor desta organização que quaisquer que sejam os governos que passem por nossa pátria ela sofre sistemática campanha dos interessados em negar nossa capacidade técnica e nossa possibilidade de desenvolvimento.

Tal é a campanha que se move contra esta organização que a empresa viu-se obrigada a publicar um boletim de esclarecimento da opinião pública. Não nos cabe aqui citar essas críticas e os fatos reais que os deturpadores insistem em esquecer. Citemos apenas o Ministro Hélio Beltrão:

“A Petrobrás vem demonstrando extraordinária capacidade de realização, embora só agora esteja firmando no Brasil, o crédito que já firmou no exterior.
Ironicamente o brasileiro tem sobre a Petrobrás certas dúvidas que o estrangeiro não tem.”

Duzentos mil barris diários de petróleo, o que representa 50% de nosso consumo; autossuficiência em capacidade refinadora; três mil poços perfurados; geração de novas empresas fornecedoras de equipamento; outros utilizadoras de seus produtos; formação de pessoal técnico necessário para seu desenvolvimento; pesados investimentos no setor petroquímico; início e total sucesso na exploração de plataforma continental, prometendo com isto a autossuficiência em petróleo, esta é, em poucas palavras, a folha de serviços com que brindou a nação nosso patrono de hoje.

Feliz estão hoje os jovens que há uma década defendiam as manifestações públicas e a sua permanência como detentora do monopólio estatal.

Guiada unicamente pela generosidade de que é possuída a juventude anteviu a grandeza deste empreendimento. Melhor faríamos nós hoje se abríssemos nossa mente para ouvi-las melhor.

Não nos cabe aqui, no entanto, louvar os feitos do passado.

Pedimos transmitir aos técnicos da Petrobrás nosso aplauso pelo que já foi feito juntamente com nossa certeza de que o mesmo carinho, a mesma dedicação, o mesmo empenho, muitas vezes com sacrifícios pessoais, serão os constantes na busca da autossuficiência na extração; na multiplicação de novas refinarias; na criação de novas unidades; no desenvolvimento e aprimoramento de novas técnicas; e finalmente na maior participação na distribuição de seus produtos.

Preocupados com o futuro do país e com o papel que nele representa o administrador, não podemos esconder nosso interesse na formação escolar deste profissional.

Julgamos dever do Estado favorecer por todos os meios, no seio de suas próprias escolas, a formação de administradores públicos e privados. Julgamos dever das empresas favorecer e permitir a reciclagem de seus gerentes a fim de mantê-los atualizados nas técnicas mais modernas de administração.

Com relação a nossa própria escola, acreditamos que tenha atingido seu melhor momento quando apresentou à juventude brasileira uma nova mentalidade e uma nova opção.

Consideramos nosso dever transmitir como sugestão algumas considerações, fruto da experiência vivida nos dois anos que convivemos com sua organização.

Somos partidários de que a admissão ao curso de Pós-Graduação, seja restrita a graduados já com alguma experiência no exercício profissional, uma vez que os próprios recém-formados reconhecem seu maior amadurecimento após alguns anos de trabalho. Sugerimos ainda, um exame mais aprofundado da possibilidade de um curso pluricurricular, em que a experiência anterior de cada aluno seja levado em conta na programação de seus estudos.

Acreditamos estar a EAESP presa por uma tradição já conseguida, merecida, sem dúvida, em face dos excelentes resultados que apresentou, mas que não entendemos numa instituição jovem como é. Tal situação tem conduzido a certos erros que não seriam necessários e que não podem simplesmente ser imputados a “doenças de crescimento”. Um dos aspectos ao qual o aluno mais é exposto é o que diz respeito ao corpo docente; seu nível, seu interesse e sua dedicação.

Nem todos os professores com os quais convivemos nesses 2 anos apresentaram as qualidades que se espera de um mestre, notadamente numa organização como a EAESP, especialmente num curso pós-graduado.

Mas se, de um lado alguns deixaram a desejar, por outro um grupo de professores impressionou-nos pelo seu dinamismo, seu interesse pela escola e sua insatisfação com os resultados já conseguidos.

Esta é a razão, Professor Ruy Vianna Braga, de sua escolha para nosso paraninfo. O entusiasmo com que V.S. a todos contagia; sua dedicação a profissão que abraçou; e seu interesse inusitado no aprendizado de seus alunos, deram-nos uma medida do professor. Se é difícil definir em palavras as qualidades de um mestre, V.S. as personificou e mostrou-nos através de seu exemplo. Não se trata, por outro lado, apenas de um caso de simpatia pessoal despertada em seus alunos. V.S. foi escolhido também como representante de um grupo de professores, de uma forma de pensar, de uma causa comum.

Sua presença hoje aqui, professor, transpondo as dificuldades que sabemos quase o impediram de comparecer, acaba por demonstrar a dimensão do seu amor para com seus alunos, e do acerto de nossa escolha.

“Somos eternamente responsáveis por aqueles cujo coração conquistamos.” ensina-nos Saint-Exupéry. Continue, professor Ruy, trilhando o caminho que escolheu; da forma que a si mesmo se propôs. Seu exemplo frutificará, disso temos certeza.

Munidos de novo cabedal, com melhores instrumentos voltaremos amanhã ao nosso trabalho diário, que deve estar inserido numa realidade concreta, sob o risco de não frutificar. Como já dissemos no início, consideramos primordial o desenvolvimento tecnológico e neste sentido aplaudimos entusiasticamente as medidas que as autoridades vem enviando no sentido de trazer de volta ao país os técnicos que daqui se foram, em busca de melhores condições. Somos forçados, no entanto, a reconhecer, por outro lado, que em outros aspectos não cria o governo um clima propício para o retorno ou mesmo permanência daqueles técnicos que podem, eventualmente, produzir uma mudança qualitativa em nossa estrutura tecnológica.

Proibir a livre expressão de pensamento por parte de nossos jornais; impedir a livre composição por parte de nossos músicos; coibir o direito de associação por parte de nossa juventude estudantil; interromper diversas das mais promissoras carreiras políticas, mutilando-se uma geração inteira; não nos parece sejam estas as medidas mais adequadas para se criar um clima conveniente ao desabrochar da inteligência e o florescer da cultura, ambas essencialmente livres. Nem, temos certeza, progridam mais nossas empresas e se tornem mais competitivas pelo cerceamento da atividade sindical e da neutralização de suas mais autênticas lideranças.

Se antes de 1964 o preço da liberdade chegou a ser a quase anarquia social, não acreditamos que o preço do desenvolvimento deve ser obrigatoriamente o da injustiça e da violência.

Alertamos os responsáveis para que se inverta a tendência atual ou, caso contrário, atingiremos lentamente a 25ª hora – mas então estaremos a uma hora depois da última.

Aos nossos amigos, especialmente aquele grupo mais chegado, que nos dois últimos anos acertou seus horários para que conseguíssemos, de alguma forma, conviver; aos funcionários da EAESP pelo atendimento com que nos cercaram durante o correr do nosso curso; a nossa família, de modo todo especial às nossas esposas e filhos; a nossos pais e irmãos, o nosso muito obrigado pela compreensão demonstrada. Sem vossa colaboração e encorajamento teria sido impossível concluir a tarefa a que nos propusemos.

Sede, daqui por diante, os vigias constantes de que os propósitos hoje expostos se reflitam na ação constante de cada dia.

NOTAS:

Discurso pronunciado pelo formando Michael Paul Zeitlin, na solenidade de entrega de certificados do curso de Pós-Graduação em Administração de Empresas, da Fundação Getúlio Vargas, em 7 de março de 1969.